Memorial do Futebol de
Campo Amador de Galópolis
PASSADO, PRESENTE E GLÓRIA
Galópolis se formou a partir do encontro de culturas e tradições. Entre os que aqui já estavam e os que de longe chegaram estava uma paixão em comum: o futebol. Uma partida significa muita coisa: a construção do território, feita através do contato com a grama do campo; o trabalho, representado pela técnica e treinamento constante; a união, pelo hino entoado a cada partida; e os ideais, traduzidos pelos uniformes, que ao longo do tempo foram se transformando em verdadeiras bandeiras defendidas pela comunidade.
Pensar em futebol em Galópolis é mais do que simplesmente percebê-lo como esporte. Desde o início, ele trouxe a sociabilidade necessária para a construção do senso de pertencimento à uma comunidade e consolidou identidades – estas, que hoje atribuem o título de patrimônio cultural ao futebol de campo amador na região. De tal forma, valorizar a trajetória daqueles que dedicaram sua vida à esta prática é uma forma de preservar uma importante referência cultural para todos que vivem e revivem Galópolis.
O Memorial do Futebol de Campo Amador de Galópolis surgiu diante desta premissa, em que veteranos do esporte veem na memória sobre o “jogar bola” uma ponte para eternizar um passado repleto de façanhas e que constroem através de uma exposição virtual uma possibilidade de garantir a continuidade da prática esportiva na comunidade – que cada vez mais vem perdendo espaço para as telas da juventude.
Elaborada por meio do Ponto de Memória Inventário Participativo de Galópolis, a exposição “Passado, Presente e Glória” foi construída coletivamente por ex-jogadores, apreciadores do futebol de campo e pessoas interessadas na preservação do patrimônio cultural local – apoiados pela Prefeitura de Caxias do Sul através do Financiarte 2024.
Dividida em eixos temáticos, ela retrata, no formato de linha do tempo, os momentos mais representativos das trajetórias dos times de futebol de campo amadores da comunidade. Refletindo por meio de fotografias, recortes de jornal, depoimentos, uniformes e títulos, sobre as nuances e significados deste esporte em uma vila operária, que já foi Distrito, e que hoje é uma Área Administrativa de Caxias do Sul e se transforma a cada partida.
Mais do que retratar o passado e o presente do futebol de campo amador em Galópolis, esta exposição busca valorizar as suas glórias e fomentar espaços para que o esporte continue vivo na comunidade conforme esta trabalhar para preservá-lo.
Com a linha do tempo se tece as glórias de Galópolis através das afiadas chuteiras dos tecelões do futebol de campo amador…
Esportes imigrantes
A história do futebol em Galópolis se mescla com a da industrialização e da imigração italiana. Ambas se inserem no território a partir da chegada de operários têxteis, que saíram da comuna italiana de Schio por organizarem uma greve no proeminente Lanifício Rossi e migraram à região a partir de 1894.
O amor pelo futebol de campo migrou junto com eles: ao chegarem em Galópolis, colocaram em prática os conhecimentos técnicos fabris, a vontade de construir sua própria realidade e a prática esportiva aprendida na antiga casa, onde se destacava o time Lanerossi Vicenza.
O futebol da vila operária de Schio se assemelhou ao da vila operária de Galópolis, tanto na formação por trabalhadores do lanifício ali criado pelos operários grevistas, quanto pelo uniforme. É o que se percebe nos registros do primeiro time de futebol de Galópolis, o “Libertadores”.
O time Libertadores abriu espaço para a criação de outro time de futebol, que recebeu o nome de “Os Malandros” em 1935. Os Malandros também era formado por operários do lanifício, que na época começaram a se organizar no formato de agremiação esportiva.
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A Fábrica e o Círculo Operário Ismael Chaves Barcellos
Quando os operários formalizaram o seu próprio lanifício no formato de cooperativa em Galópolis em 1898, denominaram a fábrica como Societá Tevere e Novità. O empreendimento funcionou até 1904, quando, por conta da presença de lanifícios maiores que competiam com o mercado consumidor, declarou falência.
A partir deste momento, Hércules Galló entrou na história local: comprou uma parte da cooperativa e fundou a Companhia dos Tecidos de Lã. Anos mais tarde, Galló conheceu aqueles que viriam a ser seus sócios: os Chaves Barcellos, que fundaram o Lanifício São Pedro S.A. em 1912.
Neste ano, Galópolis passou a receber investimentos para garantir a proximidade, permanência e controle sobre os trabalhadores têxteis, sendo criada a vila operária de Galópolis. Bem no seu centro, ficava o espaço que posteriormente virou o Parque Ismael Chaves Barcellos e a Igreja de Nossa Senhora do Rosário de Pompéia, e que inicialmente foi o primeiro campo de futebol da localidade.
João Laner Spinato, gerente do Lanifício São Pedro, em sua autobiografia “E assim eles contavam…”, destaca que “[...] o local [do campo de futebol] serviu por muitos anos como campo de futebol onde muitos, talvez pais vossos ou avós se destacaram para defender as cores de Galópolis, inclusive eu, que mereci a honra de uma cicatriz na sobrancelha, que como lembrança ainda conservo. [...] Havia também um poço de profundidade regular, devidamente protegido por um cinto de tijolos donde as famílias retiravam a água potável com baldes puxados por uma roldana ou molinete. Água pura, sem a malícia da contaminação ou poluição ou gosto de cloro de hoje. Não tinha a comodidade dos encanamentos, mas representava, em compensação, uma nota pitoresca de poesia bucólica e campestre. Havia também um parque infantil cujos padrinhos de inauguração foram os mais idosos de Galópolis: Manéa Brusa, Cardoso, Francisco Comerlato” (SPINATO, 1977, p. 110).
A centralidade do campo mostra a importância do futebol para a comunidade operária: além de uma forma de sociabilidade, era uma forma de fomentar a prática esportiva e a saúde entre os trabalhadores da fábrica. Porém, havia mais interesses por trás desta prática, pois controlar os hábitos dos funcionários significava controlar a circulação de ideias entre os moradores locais – que na época era composta majoritariamente por pessoas que trabalhavam na fábrica e suas famílias.
Percebendo a potencialidade de se manter o futebol de campo amador e outras oportunidades de cultura e lazer na vila operária, os proprietários do Lanifício São Pedro decidiram fundar o Círculo Operário Ismael Chaves Barcellos em 1929.
A entidade foi criada em um contexto de industrialização brasileiro em que a Igreja Católica, assumindo uma postura paternalista, preocupada com as condições degradantes do trabalho nas fábricas no início do século XX e com o avanço dos ideais de esquerda entre os trabalhadores, passou a fomentar a fundação do Movimento Circulista – que também recebeu o apoio do governo de Getúlio Vargas no Brasil.
A partir deste momento, as diferentes práticas esportivas – como o xadrez, o pingue-pongue, as bochas, o bolão, o futsal e o futebol de campo propriamente dito, as mais comuns em Galópolis – passaram a ser administradas como agremiações esportivas do Círculo Operário, mas ainda financiadas pelo Lanifício.
Assim, o futebol de campo de Galópolis se profissionalizou: em 1937 foi criado o Grêmio Esportivo Ismael Chaves Barcellos, o time de futebol composto unicamente por trabalhadores da fábrica, que também eram associados ao Círculo Operário. Percebe-se a semelhança entre seu emblema, a logomarca do Lanifício e o brasão da agremiação esportiva, em vista da sua ligação com o Movimento Circulista.
O Grêmio Esportivo Ismael Chaves Barcellos
O Grêmio Esportivo Ismael Chaves Barcellos representou um avanço na profissionalização do futebol de campo amador em Galópolis. Reconhecido pelo uniforme azul royal e branco, com o escudo também em azul royal e com detalhes em vermelho, já entrava em campo entoando seu hino:
“É o Ismael Chaves, que vem chegando
sempre disposto, com alegria
no futebol, rei da pelota
no carnaval rei da folia
[...]
O nosso goleiro é destemido
Nossos baques chutam para a frente
A nossa linha vai marcando gol,
É o Ismael Chaves que vem chegando!”
Roda de conversas sobre o futebol de campo amador em Galópolis, realizada pelo Ponto de Memória Inventário Participativo de Galópolis na praça da comunidade no dia 21 de outubro de 2023, durante as festividades da Semana de Galópolis. Acervo do Ponto de Memória Inventário Participativo de Galópolis.
Ser jogador do Grêmio Esportivo Ismael Chaves Barcellos era o sonho de muitos jovens – alguns, desde criança. Mas para jogar no “Ismael Chaves”, como o time é carinhosamente lembrado pelos seus jogadores eméritos, além de trabalhar na fábrica, ser associado ao Círculo Operário e gostar do esporte, era necessário passar por uma rígida seleção. Elzio Tisott, trabalhador aposentado do lanifício que já jogou e treinou o time da fábrica, conta sobre sua entrada na agremiação:
“Eu sempre quis jogar no Ismael, mas tinha mais gente pra jogar do que vaga no time. Então eu comecei a jogar na comunidade de Morro Cristal. Lá o vestiário era na estrebaria e se tu caísse no campo, ia sair todo ralado por causa das pedrinhas de cristal que tinha lá. Muitos daqui fizeram isso até conseguirem entrar no Ismael Chaves. Eu entrei na equipe [do Ismael Chaves] em 1960. De lá pra cá muita gente jogou comigo, mas quem ‘tava’ naquele ano era o Ari Borges, o Balduíno Bordin, o Pepino [Juventino Batassini], o Waldemar Biglia, o Barriga [Vilmar Marchioro], eu, Raimundo Cardoso, Raul Matté, o Anor Gazola, o Queixinho [Orlando Nunes Cardoso], o Toninho [Antonio Marchioro] e o treinador era o Valdomiro Fontana.”
(Entrevista transcrita cedida ao Ponto de Memória Inventário Participativo de Galópolis em 12 de agosto de 2025, durante o 87º encontro).
Quando entravam oficialmente para a agremiação, os jogadores eram divididos em dois times: o de titulares (chamado por eles de “primeirinho”) e o segundinho. Quem fazia a divisão era o treinador juntamente com o gerente do lanifício, levando em consideração aspectos externos ao esporte na hora de selecionar.
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Celso Eduardo de Souza, que também já jogou no Ismael Chaves e foi colega de Elzio Tisott, relembra sobre os jogos em Galópolis, que sempre aconteciam nos domingos
á tarde:
“O ‘segundinho’ sempre jogava o primeiro jogo. No verão, eles começavam às duas horas da tarde e no inverno, para não atrasar o jogo do primeiro time, começavam às 13:30. O ‘primeiro’ jogava a partir das quatro da tarde no verão e, no inverno, como não tinha iluminação no campo, começavam às 15:30.”
(Entrevista transcrita cedida ao Ponto de Memória Inventário Participativo de Galópolis em 28 de outubro de 2025, durante o 92º encontro).
O ex-jogador e médico, Milton Bertelli – filho de Miguel Bertelli, também ex-jogador e farmacêutico de Galópolis – lembra que sua participação no Ismael Chaves começou segurando a maleta do massagista. Dentro dela eram colocadas bandagens, éter e iodo, conhecido como “iodex”. Somente mais tarde pôde participar como jogador.
Existiam ainda os times juvenis, em que crianças e jovens podiam jogar. Segundo Elzio Tisott, que começou a jogar no time juvenil, a maioria dos jogadores juvenis tinha em torno de 12 e 13 anos de idade, treinados, no seu período, por Nadir Barazzetti e o Caroíra (Arlindo Froner). Como havia muita procura por participação no Ismael Chaves, os juvenis, denominados “Juvenil do Ismael Chaves” ou “Expressinho Galopense”, serviam como uma triagem para selecionar os jogadores mais habilidosos para competirem pelos times titulares.
Como a ligação entre futebol, Círculo Operário, Lanifício e Igreja era muito forte, realizavam-se jogos comemorativos ou festivos para receber os gerentes da fábrica e presidentes do Círculo. Acompanhavam os jogos, responsáveis por direcionar recursos para a manutenção do time, como por exemplo, João Laner Spinato, Hugo Marchioro e Ramiro Bastian, por isso mostrar o potencial da equipe era essencial.
Alguns dos jogos mais marcantes e que despertavam maior rivalidade eram contra o São Cristóvão Futebol Clube, da comunidade rural da Quarta Légua. Os jogadores destacam que era neste momento, jogando tanto em Galópolis quanto no campo rival, que as torcidas mais se acirravam e os jogos se tornavam mais violentos.
O novo campo de futebol
O campo-sede do Grêmio Esportivo Ismael Chaves Barcellos já foi o espaço que hoje abriga a Praça Duque de Caxias e a Igreja de Nossa Senhora do Rosário de Pompéia. Pela proximidade do rio, sua posição propiciava a criação de “banhados”, que dificultavam as partidas.
Vendo a necessidade de modernizar a vila operária, o então gerente do Lanifício São Pedro, João Laner Spinatto, optou pela construção da nova Igreja Matriz da comunidade e de uma praça, bem como uma nova sede social para o Círculo Operário Ismael Chaves Barcellos. Por isto, em 1943, quando as obras na área central de Galópolis avançavam, o Lanifício doou um terreno para a construção de um novo campo de futebol para o Ismael Chaves – que é o mesmo até hoje.
A inauguração do novo campo de futebol de Galópolis ocorreu com uma partida amistosa entre ambos os times do Ismael Chaves, primeirinho e segundinho, que ficou eternizada em registros feitos por Sisto Muner.
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Após a inauguração do campo, inicialmente, os vestiários eram bastante simples e não contavam com água encanada. Em compensação, segundo Celso Eduardo de Souza, o gramado e as demais instalações eram adequadas para os campeonatos, sendo, inclusive, arrecadado um valor simbólico para os que iam assistir a partida:
“Para tomar banho, a gente tinha que pegar baldes de água e colocar em um latão que funcionava como um chuveiro improvisado. A água era fria, gelada nos dias de inverno, mas era o que a gente tinha. [...] Mas o gramado era bem cuidado pelo Armando Barazzetti. Tínhamos também uma “arquibancada”, com bancos de madeira feitos embaixo das árvores. Ali tinha um espaço só para os gerentes quando iam visitar, que era um pouco melhor e na parte mais alta. Na época do Ismael Chaves, tinha o Alcides Cardoso, que era nosso ‘fã número 1’ e sempre sentava no banco à esquerda do campo, logo na entrada do portão, logo depois do lugar onde cobravam o ingresso para assistir.”
(Entrevista transcrita cedida por Celso Eduardo de Souza ao Ponto de Memória Inventário Participativo de Galópolis ao longo do 87º encontro, no dia 12 de agosto de 2025. Acervo do Ponto de Memória Inventário Participativo de Galópolis).
Houve uma grande mobilização entre os jogadores para garantir a jogabilidade no novo campo. Ao longo dos anos 1970, eles auxiliavam cortando grama, instalando bancos, colocando postes, cercas e alambrados. Elzio Tisott, Vilmar Marchioro (Barriga), Ladir Barazzetti, Raul Debastiani, Orestes Felippi, Armando Barazzetti e Ricardo Valentini (Patrola) são alguns dos nomes dos jogadores que auxiliavam na manutenção.
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Tisott também lembra que em algumas ocasiões, o vento forte derrubava as cercas, e eles precisavam novamente erguê-las. Mesmo assim, o novo gramado atendia às condições necessárias.
Fora o mutirão dos jogadores, o campo passou a ser zelado por Armando Barazzetti, que cortava a grama, pintava o campo, tinha as chaves do vestiário e ainda mantinha um bar ali próximo, vendendo doces, pipoca, amendoim, bebidas alcoólicas e demais petiscos. Nos eventos maiores, com parentes o ajudando, fazia pastéis e vendia cervejas. Nos dias de frio, cozinhava panelões de pinhão para vender e alguns jogadores tomavam uma dose de conhaque no bar para esquentar durante os intervalos.
Hoje, ainda é possível ver que as árvores plantadas no entorno do campo de futebol da comunidade resguardam marcas onde tábuas de madeira eram apoiadas para formar bancos, bem como os vestígios da antiga estrutura de madeira do bar que ficava na entrada principal.
O Lanifício Sehbe
Em 1979, o Lanifício São Pedro S.A. foi adquirido pelo Grupo Alfred, que passou a administrá-lo como Lanifício Sehbe S.A.. Neste momento, as práticas paternalistas começaram a ser desmanteladas, as casas da vila operária sendo vendidas, o Círculo Operário Ismael Chaves Barcellos desativado em 1982 e algumas agremiações sendo findadas.
Todavia, o futebol de campo resistiu. Como os operários continuaram trabalhando no então Lanifício Sehbe S.A., houve poucas alterações na escalação dos jogadores de Galópolis, que passaram então a defender o time do Lanifício.
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Os campeonatos e a arbitragem
Em Galópolis, tanto o Grêmio Esportivo Ismael Chaves Barcellos quanto o time do Lanifício Sehbe se destacaram. Seja jogando em casa ou nos campos de futebol rivais, os jogadores apresentavam uma técnica exemplar e um preparo físico atribuído aos treinos semanais – que só era possível por terem um campo próprio.
Participando de certames como o Campeonato Colonial de Caxias, a Copa Arizona e Campeonato do SESI, os jogadores jogavam tanto em Galópolis quanto em outras cidades do Rio Grande do Sul. Elzio Tisott relembra que a primeira vez que visitou a praia foi por volta de 1962, por conta do Ismael Chaves, quando foi jogar em Santa Terezinha e Tramandaí.
Ainda segundo o jogador, desde que entrou no time, lembra que já jogaram em Galópolis muitos times de Caxias e “de fora”, sendo a maioria deles oriundos do futebol operário:
“Que vinham aqui em Galópolis era o Juventus, o Catarinense, o Rodoviária, o Gianella, o Floriano, Cruzeiro, Ás de Ouro, o Eberle, o Torino, Pombal, Vasco da Gama, Bom Sucesso, Bangu, Quinze de Novembro, Madureira, a CEEE, Dom Pedro I., o Gaúcho, o Madezatti, o Reno, o Metropol, Juvenis do Caxias, Juvenis do Juventude, Taubaté, o Progresso, o Laçador, o São Luiz, o Atlético Madrid, o Comercial, Associação Randon, Santa Corona, o Caxias, o Nicola [Marcopolo agora] e o Trichês. Esses eram os times de Caxias; agora vem os times de outras cidades: seria o Glória de Vacaria, o Brasil de Farroupilha, o Gramadense, o Fulgor de São Marcos, Paladino de Gravataí, Independente de Flores da Cunha, o CELUPA de Guaíba, o Ipiranga de Porto Alegre, o jogo que eu não lembro o nome foi no campo suplementar do Olímpico em Porto Alegre, e depois, Tramandaí, na praia, Santa Terezinha, na praia. Foram três jogos em três dias que nós ficamos lá. Cambará, Ouro Verde, Arroio do Ouro, São José de Nova Palmira, Feliz, São Brás de Fazenda Souza, Minuano de Fazenda Souza, São João da 4ª Légua, [...] Santa Lúcia do Piaí, Santo Antão da 3ª Légua, São Luiz da 3ª Légua, União Forquetense, São José do Desvio Rizzo, Grêmio Esportivo de Ana Rech, São Marcos da Linha Feijó, São Francisco e São Virgílio da 6ª Légua.”
(Entrevista de Elzio Tisott cedida ao Ponto de Memória Inventário Participativo de Galópolis no 89º encontro, no dia 9 de setembro de 2025. Acervo do Ponto de Memória Inventário Participativo de Galópolis.)
Depoimentos de Elzio Tisott cedido ao Ponto de Memória Inventário Participativo de Galópolis no 89º encontro, no dia 9 de setembro de 2025. Acervo do Ponto de Memória Inventário Participativo de Galópolis.
Dentre os principais torneios do Ismael Chaves está a Copa Arizona, um grande campeonato de futebol amador que ocorreu em todo o Brasil entre 1974 e 1980, organizado pela Gazeta Esportiva e Souza Cruz – o nome "Arizona" vinha da marca de cigarros patrocinadora. A competição era realizada em fases regionais, e as equipes classificadas para a fase decisiva jogavam em São Paulo.
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O mesmo acontecia com a “Taça Previdência do Sul – Seguros de Vida”, oferecida pela empresa Previsul Seguradora (de Porto Alegre), em que o Ismael Chaves disputou com times metropolitanos.
O próprio Círculo Operário Ismael Chaves Barcellos costumava organizar certames entre os times locais. É o caso do Certame Integração-79, em que competiram os times de São Francisco da 6ª Légua e São Pedro da 3ª Légua, São José do Caí, São Cristóvão, Ismael Chaves Barcellos e Veteranos do Ismael. À época, os jogadores de Galópolis treinavam temporariamente no campo de futebol de Morro Cristal, por conta das obras no campo da localidade.
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Alguns campeonatos foram importantes, embora não haja muitas fontes. É o caso da Copa Anselmo Sandi e a Taça América, em que o Ismael Chaves Barcellos também competiu. Outro importante campeonato que reunia times de diferentes indústrias era o Campeonato do SESI em Caxias do Sul. O time do Ismael Chaves fez história em 1978, quando ganhou o Campeonato regional da série B do SESI, treinado por Vilmar Marchioro (Barriga). Já o Lanifício Sehbe venceu em 1981 (sob o comando de Luiz Felipe Scolari), em 1984, com Orestes Felippi e Raul Debastiani, e 1986, com o treinamento de Anor Gazola.
Independentemente do número de campeonatos vencidos, fica claro que a comunidade valoriza a trajetória do futebol na região, sendo um importante elemento identitário e de sociabilidade para os operários e seus descendentes.
Para José Dapont, o “Zeca”, que manteve contato com o ambiente do futebol de campo durante anos, após sua participação junto ao Ismael Chaves e a Associação Atlética Veteranos de Galópolis, “o Ismael foi um dos times de futebol amador de Caxias do Sul que mais se destacou pela qualidade de jogo e garra, que foi levado adiante pelo Lanifício Sehbe”.
(Entrevista cedida ao Ponto de Memória Inventário Participativo de Galópolis na roda de conversas realizada no dia 21 de outubro de 2023, no âmbito da Semana de Galópolis. Acervo do Ponto de Memória Inventário Participativo de Galópolis.)
Ari Piamolini, ex-jogador, destaca que: “No nosso campo já jogou gente famosa. Teve o lateral Nilo, da Seleção Brasileira. E nós ganhamos! O Volmir, ponta-esquerda do Grêmio, o Iaúca do Caxias, o Toninho que era do Flamengo na época. Jogadores importantes cruzaram esse gramado. E teve gente que saiu [do Ismael Chaves] e foi para times maiores. O Raul [Matté] foi profissional, o Minez e o [Antonio] Marchioro também. Na época do campeonato do Sesi, os times da Eberle, Madal e outras firmas, levaram jogadores nossos pra trabalhar lá ‘pra’ poder integrar nos times deles.”
(Entrevista cedida ao Ponto de Memória Inventário Participativo de Galópolis em junho de 2022, para a realização da exposição ‘História(s) e Memória(s) do Círculo Operário’. Acervo do Ponto de Memória Inventário Participativo de Galópolis.)
Os torneios vencidos significavam ganhos diretos para toda a comunidade, pois dava mais destaque ao Lanifício e, consequentemente, assegurava também o trabalho de muitos operários.
Todavia, algumas vitórias, em diferentes contextos do futebol de Galópolis, também dependiam da arbitragem. Conforme enuncia o gerente João Laner Spinato em sua autobiografia (“E assim eles contavam…, de 1977), “[...] se distinguiu o senhor Vitório Diligenti, como juiz, sempre preferido, ou melhor, imposto pela equipe local, pois era uma garantia segura de vitória, além de impor respeito a certos valentões visitantes, acenando para a ‘doppia’ [espingarda] que ele tinha em casa e sabia manejar como poucos, pois eu o vi escrever o seu nome com bala de revólver a vinte metros de distância” (SPINATO, 1977, p. 109-110).
Algo semelhante ocorria também ao longo dos anos 1970, quando o treinador Valdomiro Fontana interferia na arbitragem. Segundo Celso, “caso o time A estivesse perdendo durante o primeiro tempo do jogo, pegava o apito no início do segundo tempo e orientava: ‘entra na área, se joga e grita que eu marco pênalti com o juíz”. Elzio complementa que nestes casos ele vinha do meio do campo com o dedo apontando a marca do pênalti. Porém, a arbitragem tendenciosa ocorria não somente em Galópolis, mas em outros locais. Quando os times da região competiam em campos de outras agremiações, também sofriam faltas indevidas.
A vitória era o objetivo, que tinha como consequência a premiação. Esta, para os jogadores na época do Ismael Chaves, era uma entrada para o Cine Operário de Galópolis. Durante a gestão de alguns gerentes e treinadores, a comemoração era bebida e reconhecimento, conforme afirmava Zeca Dapont:
“Quando a gente ganhava, não importava se era em Galópolis ou fora, vinham de caminhão nos buscar e nos levavam dar três voltas ao redor da praça. As pessoas aplaudiam e nós íamos cantando nosso hino. Às vezes a festa continuava no bar do Baichi, na sede esportiva do Círculo Operário. Lá a gente conversava e comemorava a vitória com cerveja, normalmente Pérola ou Brahma, que era o que tinha. Teve uma vez que até dentro da chuteira a gente tomou cerveja”.
(Entrevista cedida por Zeca Dapont ao Ponto de Memória Inventário Participativo de Galópolis em outubro de 2023. Acervo do Ponto de Memória Inventário Participativo de Galópolis).
As torcidas e as mulheres
Muitas eram as pessoas envolvidas para que os times de Galópolis pudessem competir: nesta trajetória se enquadram as torcidas e as mulheres, para além da administração da fábrica e do Círculo Operário (no caso do Ismael Chaves Barcellos).
As torcidas eram compostas por familiares e amigos dos jogadores, além de pessoas que trabalhavam na fábrica e compartilhavam da identidade de se sentir parte de Galópolis. Havia uma pressão vinda da própria gerência do Lanifício para que os operários jogassem e torcessem para os times locais, culminando em idas à sala administrativa quando os gerentes descobriam a saída da localidade. Elzio ressalta:
“Teve uma vez que o Toninho Borges, saiu para jogar na Quarta Légua no domingo. Ele não ‘tava’ competindo pelo São Cristóvão [time da Quarta Légua], foi só pra praticar no campo de lá. Na segunda-feira o Spinato chamou ele na sala dele e pediu se ‘tava’ faltando alguma coisa em Galópolis que ele teve que ir pra outro lugar. Eles sabiam de tudo que acontecia ao redor da fábrica”.
(Entrevista cedida por Elzio Tisott durante o 86º encontro do Ponto de Memória Inventário Participativo de Galópolis, no dia 29 de julho de 2025. Acervo do Ponto de Memória Inventário Participativo de Galópolis).
Isto nos mostra o controle sobre o operariado local, inclusive nos aspectos culturais, esportivos e de lazer. Não somente o jogar, mas também o torcer estava restrito ao que era oferecido pela fábrica e, logo, se era morador de Galópolis, precisava torcer para os times locais.
Em entrevista, Marisol Borges dos Santos e Reni Maria Dapont refletem que as torcidas ficavam na parte superior do campo de futebol, onde se tinha uma visão mais clara sobre todo o gramado. Dali, gritavam e animavam os jogadores, mesmo que não houvesse um grito de torcida único.
"A presença feminina era vista sobretudo nas torcidas e nas figuras das madrinhas do time, o que revela uma falta de reconhecimento do potencial das mulheres no futebol de Galópolis. Segundo Reni Dapont, “o interesse vinha de casa, com os pais apoiando, e depois na escola, mas nunca tivemos um time feminino que durasse em Galópolis. Meu pai jogava, era o ‘Gadanho”, e sempre me incentivou. Eu tive espaço pra jogar na Quarta Légua, inclusive com um time feminino, mas aqui não. Aqui, outros esportes eram mais valorizados para as meninas, como o basquete, que foi campeão diversas vezes”.
(Entrevista cedida ao Ponto de Memória Inventário Participativo de Galópolis em 14 de outubro de 2025. Acervo do Ponto de Memória Inventário Participativo de Galópolis).
Mesmo não concordando com a falta de investimento no futebol de campo feminino na região, os jogadores percebiam que a necessidade de trabalhar, cuidar da casa e dos filhos era uma demanda que tirava o tempo de participação nos esportes para as mulheres, sendo uma condição social excludente.
Por este motivo, Reni Dapont e Marisol Borges destacam que o incentivo deve começar em casa, devendo continuar na escola e na comunidade, para que todas as crianças e jovens alcancem o esporte, refletindo sobre a inexistência de times femininos nas escolinhas de futebol da região, como em outros momentos já contou.
As transformações e o futuro
As transformações são essenciais para pensar a história de Galópolis. É o que fica claro no processo fabril da localidade que, em 1898, inicidou como Societá Tevere e Novità. Em 1904, com Hércules Galló, houve a fundação da Companhia dos Tecidos de Lã. Anos mais tarde, com seus sócios, os Chaves Barcellos, fundaram o Lanifício São Pedro, em 1912. Em 1979, o Grupo Alfred comprou o parque fabril e renomeou o então “Lanifício Sehbe”, que assim permaneceu até 1999, trazendo o desmantelamento das políticas paternalistas. Neste ano, houve a criação da Cooperativa Têxtil Galópolis (Cootegal), que assumiu de forma autogestionária a produção, continuando ativa até os dias atuais.
Mas não foi somente no âmbito do trabalho que as mudanças foram sentidas: toda a vila operária de Galópolis, mesmo sem o investimento paternalista próprio do Lanifício São Pedro, temia pelo fim das tradições construídas a partir da dinâmica fabril na localidade. Um dos temores era pelo fim dos times de futebol.
O futebol de campo amador foi determinante para formar gerações de jogadores, tão marcante, que fez alguns destes darem continuidade, dadas as incertezas do futuro no contexto de crise e ressurgimento industrial. Fosse no formato de amistosos entre seções da fábrica, na construção de torneios entre moradores ou na criação de times como o Bicho Extra, o futebol foi essencial para a construção das identidades de Galópolis.
É o que também se pode perceber com a criação da Associação Atlética Veteranos de Galópolis. Celso Eduardo de Souza reconta a trajetória de criação:
“Na época a gente não sabia como ia continuar. Desde o fim do Ismael Chaves, que virou o Lanifício Sehbe, não se tinha a certeza nem de que o campo de futebol ia continuar na comunidade. Então ainda em 1981, em julho, os jogadores do Ismael criaram uma associação, a Associação Atlética Veteranos de Galópolis. Eram o Orestes Felippi, Raul Debastiani, Aldo Soletti, Celso Batassini, Adalberto Roque Pattis, Elzio Tisott, Lino Uez e Ivalmor Moschen e Antônio Marchioro. O nosso primeiro jogo foi no campo do Dreher, de Bento Gonçalves. O presidente na época [1988], era o Mário Moschen, o vice era o Erni Pegorini e eu era o tesoureiro. A gente jogava nos domingos de manhã, sem ligação com o Lanifício Sehbe, e todos contribuíam para que a nossa história não morresse. Em 1988 abrimos o nosso CNPJ e compramos um terreno para os veteranos fazerem um campo de futebol reserva e se encontrarem, caso o campo de Galópolis não pudesse mais ser ocupado. Na época quem nos treinava era o Orestes Felippi e o Raul Romeu Debastiani. Em 2004 o presidente foi o Luís Fernando Nicoletti e o coordenador era o Luís Drambrós, mas em 2006 já assumiu o Rivelino. A gente chegou a competir nos torneios da Festa da Uva, com o Zeca Dapont coordenando a gente, com patrocínio do Moinho e do posto de gasolina. A gente continuou até 2008, quando não tivemos mais como manter. Foi o fim dos veteranos “originais”.
(Entrevista cedida por Celso Eduardo de Souza no 92º encontro do Ponto de Memória Inventário Participativo de Galópolis, em 28 de outubro de 2025. Acervo do Ponto de Memória Inventário Participativo de Galópolis).
No período da Seleção de Galópolis, treinada por Zeca Dapont e que competia jogos regionais no contexto da Copa Festa da Uva/Unimed, houve momentos marcantes para a comunidade de Galópolis, que permanece na memória daqueles que tiveram a oportunidade de vivenciar no campo de futebol: os jogos amistosos contra os times de veteranos do Grêmio, em 1998, e do Internacional, em 1999.
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Embora ainda se encontrem regularmente em almoços e jantares para relembrar os velhos tempos, os veteranos lamentam a falta de continuidade do futebol a partir dos moradores. Elzio complementa:
“Foram criados outros times, como o Bicho Extra, que jogava nos sábados. Hoje tem também o Maville F.C., que mantém o campo ativo, mas tem pouca gente de Galópolis participando. Tem também o Roger [Dallegrave], que dá aulas de graça na escolinha de futebol, mas tem poucas crianças de Galópolis”.
(Entrevista cedida por Elzio Tisott no 92º encontro do Ponto de Memória Inventário Participativo de Galópolis, em 28 de outubro de 2025. Acervo do Ponto de Memória Inventário Participativo de Galópolis).
Vendo o futebol de campo amador como uma importante referência cultural para as identidades de Galópolis, o temor pelo seu desaparecimento na comunidade deixa claro a sua importância para a localidade. Por este motivo, buscou-se recuperar suas memórias.
Gravação do preenchimento do painel “Qual é a sua história sobre o futebol de Galópolis?”, construído para a mostra temporária do futebol amador de Galópolis realizada em 12 de novembro de 2023, no âmbito da segunda edição do Abraço da Alegria, a festa do dia das crianças organizada pelo Comissão Gestora do Campo de Futebol de Galópolis. Acervo do Ponto de Memória Inventário Participativo de Galópolis.
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Os veteranos buscaram o Ponto de Memória Inventário Participativo de Galópolis para dar continuidade a esta história. Que esta exposição virtual sirva para esperançar sobre um futuro em que a juventude reviva o passado, o presente e as glórias do futebol amador de Galópolis, que estarão sempre em construção.
Oficinas de educação patrimonial
Ao longo dos dias 2 e 9 de dezembro de 2025 foram desenvolvidas 4 oficinas de educação patrimonial desenvolvidas com a metodologia de releitura de imagem e quiz cultural.
02/12/2025: Escola Estadual de Ensino Fundamental Ismael Chaves Barcellos
02/12/2025: Escola Estadual de Ensino Médio Galópolis
09/12/2025: Escola Municipal de Ensino Fundamental São Vitor
09/12/2025: Escola Municipal de Ensino Fundamental Santo Antônio
Agradecimentos
Agradecemos todas as pessoas que colaboraram para a construção desta exposição. Um agradecimento especial in memorian vai ao Zeca Dapont e Vilmar Marchioro (Barriga), grandes incentivadores do movimento de salvaguarda das memórias sobre o futebol amador de campo de Galópolis.
Vedada a utilização do texto e imagens parcial ou integralmente sem a devida autorização da coordenação do Ponto de Memória Inventário Participativo de Galópolis, equipe da exposição e dos detentores das imagens que foram cedidas para exposição.





























































































































































